Batalha espiritual - Um Panorama do Livro de Juízes
Romeu Bornelli
Nosso relacionamento intimo com Ele nos dará sensibilidade espiritual
O livro de Juízes, no Velho Testamento, relata o período mais negro da história nacional de Israel. Segundo o registro de Atos 13.19-20, este período durou "cerca de 450 anos". Foi uma época de crises marcadas pela repetição da fórmula: APOSTASIA à ESCRAVIDÃO à SÚPLICA à LIBERTAÇÃO.O livro de Juízes se divide em 3 partes básicas com 6 episódios centrais. Existem ricas lições e princípios da vida espiritual, e especialmente do conflito espiritual, neste terrível e precioso livro. T.Austin Sparks afirmou certa vez que, após ler todo o livro de Juízes, sua vontade era "procurar tomar um banho rapidamente" por ser tão pesada a atmosfera espiritual do livro. Muito, hoje em dia, tem-se falado a respeito de batalha espiritual. Talvez, a maioria deste ensino seja distorcido e corra o risco de reduzir o tema do conflito espiritual a questões externas como: "mapeamento espiritual" das regiões celestiais, posturas corretas do corpo para orar eficientemente contra hostes demoníacas, chaves (palavras específicas) para amarrar demônios específicos, etc.. Um estudo do livro de Juízes, à luz do Novo Testamento, revelará que o conflito espiritual é essencialmente uma questão interior, do coração, e não exterior. Creio que precisamos de uma "chave" no Novo Testamento para abrirmos o livro de Juízes e começar a entendê-lo, e essa chave é Tiago 4:7 "Sujeitai-vos, portanto, a Deus; mas resisti ao diabo, e ele fugirá de vós." O contexto imediato desse verso (Tiago 4;1-10), fala dos prazeres da carne e das amizades do mundo, versus o ciúme com que Deus, o Espírito Santo, anseia por nós. Isto, enquadra o conflito espiritual no coração, um conflito pela posse do coração, não um conflito externo (Efésios 6:10-20 a armadura do cristão, também o enfoca assim). Compare Tiago 4:7 e Juízes 2:12 e 14 : "deixaram ao Senhor" e "não mais puderam resistir a eles"(aos inimigos)
Vejamos alguns princípios espirituais extraídos dos capítulos 1, 2 e 3 do livro de Juízes.
1º princípio : UMA RAIZ HOSTIL PRESERVADA IMPLICARÁ EM UMA FORTALEZA HOSTIL REEDIFICADA. Veja Juízes 1.21-26: A casa de José, agiu contra a ordenança de destruir totalmente os inimigos dada em Deuteronômio capítulo 7 versículo 2, não tratou radicalmente com o inimigo, mas usou de misericórdia para com ele e o resultado então, foi que ele apenas mudou de lugar! Isso é verdadeiro em nossas vidas e conflitos espirituais contra a carne, as cobiças e paixões, o amor ao mundo, as amizades do mundo. O evangelho tem caráter radical: o machado está posto à raiz das árvores! Se não formos sérios em obedecer a Palavra de Deus nas questões práticas da vida do coração, nossos inimigos interiores apenas "mudarão de lugar", mas não serão mortificados. A rebelião (não obedecer a palavra que Deus tem falado a nós particularmente em nossa história com Ele) é a fonte de todo pecado e pode ter então diversas expressões em diferentes áreas da vida. Tratemos a rebelião à palavra de Deus em nossos corações, para que o "desaparecimento" de um inimigo em uma área da vida interior não nos engane, senão ele aparecerá em outra área, de outra forma (observe que o inimigo preservado pela casa de José mudou-se, e deu o mesmo nome, "Luz", à cidade ímpia edificada).
2º princípio: A CARNE NÃO PODE SER REEDUCADA ESPIRITUALMENTE TEM QUE SER MORTIFICADA. Veja Juízes 1.27-36: Neste trecho, aparece 6 vezes a expressão: "não expulsou" e 4 vezes: "foram sujeitos a trabalhos forçados". Ao invés de destruir os inimigos, Israel tentou reaproveitá-los para o seu serviço. Quanto de carne não julgada tem hoje sido usada para os serviços de Deus e do seu povo! Isto é verdadeiro em muitas áreas de serviço cristão como: a) Pregação e ensino - Um homem de Deus chamado Robert Murray Maccheyne disse certa vez: "Um homem não pode ser fiel e fervoroso servo de Cristo enquanto não desistir inteiramente de atrair os ouvintes a si mesmo e não a Cristo, enquanto não estiver pregando somente por amor a Cristo". Até mesmo quando falamos da cruz, corremos o risco de não termos as "marcas da cruz" em nosso homem interior. O homem é inclinado a crer em tudo o que é dito com certa dose de autoconfiança. Precisamos conhecer a realidade pessoal da decisão de Paulo "decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado" (I Co 2:2). Eloqüência, cultura, preparo acadêmico, teologia, dinamismo, zelo pelas almas, não podem substituir as "marcas da cruz". b) Pastoreamento de almas - Por não termos a realidade mais penetrante da cruz em nossas almas, muitas vezes, intervimos em outras almas de forma errada, com espírito errado ou em tempo errado. Mudar o comportamento não é o enfoque (seria reeducar a carne), mas sim estreitar a relação com nosso Senhor. "A lei nunca aperfeiçoou coisa alguma" (Hb 7:19 ). Só a visão da glória de Cristo e de Sua graça, podem comprometer nossos corações, levando-os ao Seu altar. c) Adoração e Louvor - Todos os nossos talentos naturais têm que ser "julgados" pela cruz e expostos diante de Deus com todas as suas motivações e inclinações. Nada pode ser "aproveitado" sem o profundo juízo do Senhor, pois "os que estão na carne não podem agradar a Deus" (Rm 8:8). Nós podemos "amar o sacrifício" (o culto, o louvor, a adoração) e por isso sacrificarmos ao Senhor, mas isto não é aceito por Ele. Veja Oséias 8.13: "Amam o sacrifício, por isso sacrificam, pois gostam de carne e a comem, mas o senhor não os aceita". Se não passarmos pela cruz, o motivo e centralidade de nosso reunir e adorar juntos, será espúrio e reprovado pelo Senhor. d) Relacionamentos - O problema fundamental dos nossos relacionamentos humanos é a carne não julgada. O que conta nos relacionamentos é o quebrantamento e não o temperamento do homem. Todos os temperamentos são doentes e maculados pelo pecado. O homem "é carnal" (Gn 6:3). Também aqui, a carne não pode ser reeducada e "sujeita a serviços forçados", tem que ser mortificada pelo trabalho da cruz em nossas almas, através da Palavra viva e eficaz de Deus, falada aos nossos corações. Nos relacionamentos também vale o princípio espiritual: "Se não morrer, fica ele só". O quebrantamento, a carne julgada, o "eu" julgado, é o caminho do relacionamento.
3º princípio _ NO CONFLITO ESPIRITUAL SOMOS PRIMEIRO "PROVADOS PELO SENHOR", E DEPOIS, "APRENDEMOS A GUERRA". Veja Juízes 2.22 e 3.1-2 - Pense sobre isso: o que faz a diferença entre um cristão maduro e um imaturo? Entre a criança e o adulto na fé? Se admitirmos que a diferença não está na capacidade aumentada de não ser tentado, visto que, quanto mais maduros mais tentados, então onde estaria a diferença? O conflito espiritual leva-nos a conhecer a nós mesmos cada vez melhor. Somos provados, expostos e julgados pela operação da Palavra e do Espírito Santo, através das circunstâncias, pelo que Deus que sonda mente e coração (Sl 7.9). Neste processo, aprendemos a guerra. Aprendemos a verdade sobre Deus e a verdade sobre nós mesmos. A nossa capacidade para pecar não é alterada, mas sim nossa sensibilidade ao pecado, quando tentados. Mais uma vez, a diferença está não em algo que foi realizado em nós, em nossa natureza, mas em nossa relação com Cristo, nosso Salvador diário. Por isso, o crescimento espiritual genuíno nunca nos levará à soberba ou auto-suficiência, porque temos sido provados pelo Senhor, que vê a malignidade e depravação de nossa natureza.Por outro lado, a mesma palavra, o mesmo falar de Deus a nós, que nos prova e julga (morte), este mesmo falar edifica o caráter de Cristo em nós (ressurreição), e estes são os dois lados simultâneos do trabalho da cruz em nós.Primeiro, "Cristo formado em vós" (Gl 4.19), aprendemos progressivamente a viver "por meio de Outro" (Cristo), por meio da única Vida que agrada a Deus. Segundo, aprendemos a guerra. No conflito espiritual de nossos corações com a carne, as cobiças e paixões, os alvos e ambições terrenos, o amor ao mundo e o egocentrismo, aprendemos o real valor de todas as coisas, porque "aprendemos a Cristo" (Ef 4.20). Nossa relação com Ele, aprofundada, nos dará sensibilidade espiritual na vida do coração. E isto fará a diferença em nosso caminho à maturidade.
Que o Senhor use de misericórdia conosco!!!