"Deixai vir a mim os pequequinos e não os impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se lhes assemelham"
sábado, 10 de novembro de 2012
HOMILIA PARA O 32º DOMINGO DO TEMPO COMUM DE 2012
Meus queridos Amigos e Irmãos na Fé!
“Estamos chegando ao final do Ano Litúrgico. Hoje celebramos o Trigésimo Segundo Domingo do Tempo Comum. Jesus continua o ensinamento aos discípulos, agora, já em Jerusalém, depois de sua entrada triunfal (cf. Mc 11,1-11).
A Liturgia da Palavra nos apresenta duas viúvas – a de Sarepta e a que colocou sua esmola no cofre do Templo de Jerusalém. Na segunda leitura, estamos em outro Templo, não no de Jerusalém, mas no Santuário que é o próprio corpo de Cristo, simbolizado em sua Igreja reunida.
Fiquemos atentos, na celebração de hoje, a muitas ‘viúvas’ que trazem para nossas celebrações suas vidas, seus sofrimentos, suas dores, suas esperanças. Que nossa assembleia litúrgica esteja aberta a todos que a compõem. Todos os que exercerem algum ministério, nesta celebração, estejam a serviço daqueles que estão dispostos a ouvir a Boa Nova e a oferecer suas vidas ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo. Que possamos todos fazer de nossa vida uma oferta agradável a Deus e aos irmãos.
‘Deus abençoa o pobre que, com sua generosidade, sabe partilhar o pouco que possui. Jesus se doa totalmente para a expiação dos pecados da humanidade. A verdadeira generosidade se manifesta no dar além da sobra’ (cf. Liturgia Diária de Novembro de 2012 da Paulus, pp.41-44).
Diante do gesto da pobre viúva, Jesus chamou os discípulos para conversar e ensinar. Diante da sociedade utilitarista e daqueles que alicerçam suas vidas sobre os critérios da aparência e da generosidade calculada, Jesus nos chama para conversar e ensinar. Diante deste mundo no qual o dinheiro, o status, o sucesso são mais valorizados que as pessoas e seus sentimentos, Jesus nos chama para conversar e ensinar.
Mesmo no interior da Igreja, contra toda a lógica do evangelho, há aqueles que fazem de sua vida uma corrida em busca de honrarias, prestígio e aplausos. Iludem-se, pois a fama pela fama, a aparência pela aparência, só traz um imenso vazio. No passado, Jesus alertou os discípulos: ‘Guardai-vos dos escribas’. Hoje ele avisa: ‘Não se iludam com os modelos de sucesso que existem por aí’.
Jesus reprova nos escribas a cegueira espiritual. Eles eram os especialistas no conhecimento e na interpretação dos preceitos do Senhor. Sua prática, porém, não se conformava com seus conhecimentos e suas interpretações. Há muitos cristãos que, teoricamente, conhecem muito bem os critérios evangélicos e os preceitos da vida cristã, todavia ‘fazem o bem, pensando em si’. Na prática comunitária, não mergulham no espírito e, consequentemente, se tornam mesquinhos e intolerantes. O Mestre alerta seus discípulos para a verdadeira prática religiosa. Esta não consiste na busca de honrarias, no ocupar lugares de destaque nas comemorações públicas, no uso ostensivo de vestes e de sinais externos para chamar atenção sobre si. A verdadeira prática religiosa brota da generosidade e da humilde dedicação aos pobres e necessitados (cf. Tg 1,27). O seguimento de Jesus se caracteriza pela doação, pela solidariedade.
Jesus contrapõe ao modo hipócrita do agir dos escribas e ricos senhores do templo a generosidade e a religiosidade sincera de uma pobre viúva. Despojada dos bens terrenos, doa tudo o que possui, demonstrando que sua confiança e segurança estão nas mãos de Deus. É a generosidade radical. Ela não doou o supérfluo, manifestou uma generosidade gratuita, no sentido da entrega total, sem esperar nada em troca. ‘Sua humilde esmola vale mais do que abundantes doações dos ricos, pois estes dão do supérfluo, enquanto que a viúva oferece a Deus o que ela necessitava para viver’.
A Liturgia da Palavra de hoje nos faz lembrar que a grande maioria de nosso povo é muito generoso. Basta avaliar a pronta resposta diante de certas calamidades provocadas por seca ou por enchentes. Multiplicam-se as toneladas de donativos. [...] Lamentavelmente as doações nem sempre chegam ao destino. Ainda nesta semana assistimos noticiários que mostraram milhares de pares de sapatos, centenas de eletrodomésticos destinados à Região Serrana do Rio de Janeiro, desde o início do ano armazenados e apodrecendo em Nova Friburgo. Enquanto os pobres partilham de sua pobreza, os responsáveis pela justa distribuição se revestem de descaso e egoísmo insensíveis com as pessoas sofredoras. [...]
Felizmente, existem muitas ‘viúvas de Sarepta’, como a do evangelho, que anonimamente vivem da certeza de que ‘Deus abençoa quem generosamente partilha seus próprios bens’. Vivem na gratuidade. Não porque ter bens materiais seja uma coisa ruim, mas pelo fato de eles assim cumprirem sua finalidade: serem colocados à disposição de quem deles necessita. A partilha generosa e solidária multiplica as soluções de problemas que parecem insolúveis. Enquanto a ganância provoca a fome e a miséria, a partilha solidária multiplica as possibilidades de vida digna.
Não nos esqueçamos de que, além de nossos bens materiais, é preciso também partilhar nosso tempo e nossos dons pela causa do Reino de Deus. Às vezes, pode ser mais fácil dar em forma de dinheiro, do que mexer em nosso tempo” (cf. Roteiros Homiléticos n. 23 da CNBB, pp. 91-97).
Finalmente a Palavra de Deus deste domingo nos coloca diante de algumas perguntas pertinentes. Neste Ano da Fé somos conclamados à coerência entre o que pensamos, rezamos, pregamos (falamos) e fazemos. Se Jesus, em pessoa, viesse conversar conosco, ficaria feliz com nosso modo de viver nosso Batismo, nosso Ministério e nossa Vida na Comunidade de Fé?
Penso comigo: graças a Deus, entre nós, Jesus certamente não precisaria repetir o que disse aos discípulos: “Tomai cuidado com os doutores da lei! Eles gostam de andar com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças públicas; gostam das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores lugares nos banquetes. Eles devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso eles receberão a pior condenação”(Mc 12,38b-40).
Caso alguém se identifique com os “escribas”, ainda é tempo de mudar. A conversão não deve esperar para amanhã. Oxalá aconteça ainda neste domingo. Do contrário, de que adiantaria celebrar, não é mesmo?
Desejando-lhes muitas bênçãos, com ternura e gratidão, o abraço sempre amigo e fiel,
Pe. Gilberto Kasper
(Ler 1Rs 17,10-16; Sl 145(146); Hb 9,24-28 e Mc 12,38-44)
QUE TODOS TENHAM VIDA
QUE TODOS TENHAM VIDA
Pe. Gilberto Kasper
pe.kasper@gmail.com
Mestre em Teologia Moral, Especialista em Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Assistente Eclesiástico do Centro do Professorado Católico, Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista.
Quem observa o número de farmácias – chamadas, com propriedade, também de drogarias – em nossas cidades, fica com a impressão de que nossa população está gravemente doente. Quando se faz uma pesquisa sobre os remédios que cada um toma, fica-se assustado. As famílias costumam ter um verdadeiro arsenal deles em casa. Tornam-se dependentes.
Quando verificamos as filas junto aos postos de saúde e o sofrimento que se retrata nos rostos dos que buscam algum recurso, ficamos ainda mais abalados. Além da impressão de que nossa população está doente, constatamos que o tratamento que se lhe oferece não é adequado. Criamos uma estrutura que torna inviável o tratamento da saúde de nossos cidadãos. Devemos então concluir que assistimos ao alastrar-se de uma peste. Parece-se ao tormento de Dândalo, que morre de fome e sede dentro da água, amarrado ao sopé de uma árvore carregada de frutos.
A medicina indubitavelmente progrediu. Está em condições de resolver muitos problemas de saúde. Faz maravilhas. Podemos anunciar os tempos messiânicos, quando cegos começam a enxergar com o transplante de córneas, paralíticos andam com a implantação de próteses, leprosos são curados... E o incrível acontece quando até corações são transplantados e mortos são reanimados.
Mas é preciso reconhecer que a medicina se elitizou. Nem todos têm acesso a ela. Gastam-se enormes fortunas que, na prática, favorecem alguns poucos, em detrimento das multidões de pobres, que formam nossas filas de enfermos, sem atendimento ou com atendimento precário. Pelo fato de se querer o ótimo – para o que não existe estrutura suficiente – omite-se fazer o que seria possível e bom. Por isso, vale o provérbio que o ótimo é inimigo do bom. Em vez de simplificar todo o esquema, de modo a atingir a todos, investe-se em instrumentos extremamente sofisticados, que servirão para bem pouca gente. É preciso democratizar a medicina!
A questão das farmácias e das filas para o atendimento é apenas um sintoma. Há algo de errado, tanto na mentalidade acerca da saúde como na organização de seu serviço. Talvez tenhamos subido muito alto, colocando-nos a par do que existe de mais moderno e avançado e tenhamos esquecido as práticas elementares, capazes de proporcionar saúde melhor. O assunto exige uma revisão, para reintegrar os valores da saúde no grande contexto do bem comum. E, assim, chegaremos mais perto da máxima do Evangelho: “que todos tenham vida e a tenham em abundância!” (Jo 10,10).
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