COMENTANDO A PALAVRA DE DEUS
Meus
queridos Amigos e Irmãos na Fé!
Interrompendo
a sequência do Evangelho de Marcos, a liturgia nos propõe, nos próximos cinco
domingos, o capítulo 6 de João: a
multiplicação dos pães e o discurso
sobre o Pão da Vida.
A multiplicação dos pães concentra um simbolismo muito forte,
revolucionário, e caracteriza sobremaneira a identidade dos cristãos. Não é
apenas uma imagem da Eucaristia, mas revela a intimidade
do Reino anunciado e aponta para o banquete messiânico, no final dos
tempos, quando todos serão saciados e a morte, vencida.
Este é o verdadeiro
sentido da missão de Jesus, que sente as necessidades do povo e o alimenta com a Palavra e o pão partilhado. O pão é abençoado porque é um presente e alimento
de Deus para todos os viventes. Repartir o pão com os pobres significa entrar e
viver na dinâmica do Reino. Repartir o pão é participar na comunhão do corpo e
sangue do Senhor, entregues para a vida do mundo. É o segredo maior do Reino,
por isso nada pode ser perdido, mas recolhido e sempre multiplicado.
Nossa macro-região de
Ribeirão Preto tem um dos lixos mais luxuosos do Brasil. Lixo luxuoso é o
alimento manufaturado que sobra nos pratos, nas panelas e é jogado fora. Nos
alimentamos mal, comemos demais, depois gastamos com Academias e Regimes
Alimentares. A Obesidade, segundo o querido Nutrólogo, Dr. José Eduardo Dutra
de Oliveira, é uma questão muito séria, quase que epidêmica em nosso País.
Enquanto nos “fartamos”, cerca de um bilhão de pessoas passam fome todos os
dias no mundo. Desses, nada menos que 40 milhões são nossos irmãos brasileiros.
Não são sempre os mesmos que passam fome. Os que chegam antes aos lixões comem
daquilo que jogamos fora.
O memorial da páscoa do
Senhor implica nessa memória da partilha e na profunda solidariedade com todos
os que passam fome e são rejeitados e expatriados.
Celebrar a Eucaristia no
contexto da multiplicação dos pães é contestar o sistema de acumulação que
domina o mundo e coloca milhões na miséria.
Jesus saciou pessoas que
tinham fome e se revelou o pão da vida eterna, levando em conta
a situação concreta e real do dia a dia. O pão, a comida que Ele oferece não é
só símbolo do pão sobrenatural. Nos desígnios do Pai, não é possível revelar o pão
da vida eterna sem solidarizar-se com as realidades humanas. O amor aos
pobres, como o amor aos inimigos, é um teste e um testemunho por excelência da
nossa caridade e doação. Reconhecer aos pobres o direito de receber o pão da
vida significa engajar-se de corpo e alma nas exigências do amor, e, para o
cristão, fazer acontecer uma “nova
multiplicação dos pães”.
Se o povo passa fome não
é tanto pela pobreza em si, mas pelo fechamento de quem não se importa com os
demais. A partilha marcou profundamente as primeiras comunidades cristãs.
Ao partir o pão, descobre-se a presença nova do Ressuscitado!
A salvação trazida por
Jesus atinge nossa vida em todas as suas necessidades, em sua totalidade, e não
deixa ninguém com fome. Por isso, a atuação e responsabilidade com as questões
sociais, econômicas e políticas são sinais da salvação que Deus quer realizar,
hoje, através de nós. Como uma cidade do porte de Ribeirão Preto pode suportar
tantos bolsões de miséria, onde crianças passam fome e morrem precocemente por
falta de sanidades básicas? Sabemos que para muitos convém continuar “favelados”, porque não faltam os que
alimentam suas falsas esperanças de que um dia as coisas haverão de melhorar.
Nosso povo precisa ser educado como cidadãos de oportunidades e não de
migalhas. Migalhas jogamos às galinhas e não aos nossos pobrezinhos, sem
perspectivas de vida mais digna e humana.
Ao multiplicar os pães,
Jesus nos oferece critérios evangélicos fundamentais para vivermos a
fraternidade, a partilha e a solidariedade. É repartindo, sendo solidários, que
realizaremos o projeto de Jesus, banquetes de fartura e de alegria entre irmãos
que se amam. O dinheiro, a terra, os bens ou servem para criar a fraternidade
ou acabam dividindo e matando as pessoas.
Jesus ensina que a
dinâmica do Reino é a arte de repartir. Somente o dinheiro do mundo não seria
suficiente para comprar alimento necessário para os que estão passando fome...
O problema não se soluciona comprando, mas repartindo.
A dinâmica do mundo
capitalista é o dinheiro. A filosofia é que, sem dinheiro, nada se pode fazer.
Tudo é convertido em moeda. No mundo capitalista, não há espaço para a
gratuidade. Tudo tem seu preço! Esquecemos, contudo, de que a vida nos é dada
por pura gratuidade de Deus.
O capitalismo selvagem
sobrevive à custa dos miseráveis. São os pobres que alimentam tal sistema, que
joga “migalhas de bolsas daqui e dali: Bolsa
Família, Bolsa Escola, Esmolas nos portões de nossas residências e nas portas
de nossos templos”! É mais fácil dar esmola e ver-se livre do pobre,
largando-o à própria sorte, do que comprometer-se com uma verdadeira compaixão que o promova em sua verdadeira dignidade!
Jesus nos convida ao
banquete eucarístico para nutrir nossa fé e fortalecer-nos no amor mútuo. Ele
vê as necessidades do povo faminto e, por nossas mãos, quer lhe proporcionar o
sustento na caminhada. A eucaristia questiona a falta de alimento em muitas
famílias e nos revela que o pão, bênção de Deus, se multiplica à medida que é
partilhado.
Fruto do trabalho humano
e da bênção divina, o pão deve ser partilhado para saciar o povo faminto. A
palavra de Deus nos chama a acolher-nos uns aos outros no amor e
solidarizar-nos com o necessitado.
Partilhar os bens da
criação é característica fundamental da Igreja. Trabalhar pela unidade de todos
é outra característica importante sua. Este é o modo desejado por Jesus: uma
sociedade sem famintos.
Na comunhão, Jesus se
oferece a todos indistintamente. Ele é o pão que alimenta aqueles que têm fome
de seu amor. Por ele, com ele e nele doamos a vida para que todos tenham
dignidade.
Necessitados de força e
de sentido para a vida, participamos da ceia do Senhor onde se realiza entre
nós a multiplicação dos pães.
Jesus, o Pão
da Vida sacia nossa fome com a Palavra que nos revela o sentido da
vida, sacia nossa fome com a ceia eucarística, sacramento da salvação, sinal e
antecipação do banquete sem fim a que somos destinados e convocados.
Ele nos convida a termos
compaixão das multidões famintas. Precisamos abrir as mãos e o coração para a
partilha e a solidariedade, a fim de vencermos a fome e a miséria do mundo.
A Eucaristia é o pão que
sacia e plenifica o sonho de paz e fraternidade. É o alimento para conservar a
vida. É o pão que nos dá forças para superar as atribuições que existem e
atormentam a vida. É segurança de que Deus nos ama e a certeza da ressurreição.
É Deus-conosco e no meio dos pobres.
Não poucas vezes nosso
lugar à mesa començal da Eucaristia fica vazio. Faltamos com muita facilidade
do grande banquete eucarístico, trocando-o por prazeres perecíveis e que nos
enfraquecem interiormente. Quem não se alimenta fica anêmico. A alma do mundo
anda anêmica, porque vazia do alimento que a sustenta viva, esperançosa e
dinâmica na erradicação da fome espiritual, física, material e moral. Por outro
lado: como podemos sentar à mesa e alimentar-nos sabendo de milhões de irmãos
nossos passando necessidades básicas? Seja a Eucaristia um alimento que nos
robusteça na esperança de que poderemos mudar este quadro caótico de fome e de
falta de dignidade! Saiamos de nossas celebrações, como Sacrários, Tabernáculos
e Porta-Jóias de Jesus Eucarístico. Só assim seremos capazes de alimentar as
demais “fomes” que machucam milhões de irmãos nossos, colocados à margem e,
quem sabe aguardando, pelo menos alguma migalha, que lhes sobre de tudo aquilo
que de graça recebemos e nem sempre partilhamos.
Sejam sempre muito
abençoados. Com ternura e gratidão, o abraço amigo,
Padre Gilberto Kasper
(Ler 2 Rs 4,42-44; Sl 144(145); Ef 4,1-6 e Jo 6,1-15)
Fontes: Liturgia Diária da Paulus de Julho de 2015,
pp. 79-81 e Roteiros Homiléticos da CNBB do Tempo Comum de Julho de 2015, pp.
67-72.